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João Carlos Cochlar

Compositor por um dia

A última agenda da Orquestra Sinfônica Brasileira foi intensa. Na sexta (7) e no sábado (8) foi ocasião da estreia mundial da obra “Prokofonia”, do brasileiro Tim Rescala. O programa previa ainda a execução da Sinfonia “Clássica”, de Prokofiev, e do Concerto “Imperador”, de Beethoven. Esta última com a performance extraordinária do jovem solista Lucas Thomazinho, um orgulho para o piano brasileiro. Já no domingo (9), seguiu-se com a Série “Músicos da OSB”. Quarteto de flauta, violino, viola e violoncelo – executou obras do imortal Mozart e do tcheco Antonín Dvořák, conhecido por sua competência nas composições para esse tipo de formação.


Foto: Andrea Nestrea

Orquestra Sinfônica Brasileira na Sala Cecília Meireles

A estreia de uma nova obra sinfônica é sempre ocasião a celebrar. Sobretudo quando composta por um brasileiro. O programa dos primeiros dois dias de estreia proporcionou experiência diferente para a plateia. Quase que chamando-a para fazer parte do processo criativo de peça sinfônica. Ser compositor por um dia. A começar pelo nome: “Prokofonia” é a aglutinação da palavra “sinfonia” com o sobrenome de Serguei Prokofiev, compositor russo maior. Sinal da influência direta do russo sobre a obra brasileira.


E como foi essa experiência? A Sinfonia “Clássica”, de Prokofiev, que abriu o programa, foi inspiração para a obra de Rescala. O objetivo era ouvir as duas peças, uma seguida da outra, para contrastar a obra inspiradora com a resultante dessa inspiração. Tim Rescala comentou no concerto que o processo criativo dessa obra se deu “pinçando motivos” da obra original e incorporando-os nos ritmos e estilos da música brasileira.


E o que são, afinal, motivos? Em música, motivo é um subconjunto de sons que possuem característica comum e servem de base para a composição. Servem de método para compor. A partir deles é possível criar variações. O compositor desenvolve variações usando as técnicas disponíveis na ciência musical. Tais variações podem ocorrer na altura, na intensidade, no timbre ou na duração dos sons.


O desenvolvimento da obra de Rescala revela notável proficiência, uma vez que a composição apresenta equilíbrio entre os momentos em que realiza “ataques” (como chamamos os momentos em que a Orquestra executa sons de alta intensidade) com situações de pausa e silêncio. Afinal, tão ou mais importante quanto as notas tocadas são as não tocadas.


Atribui-se a Pablo Picasso o ensinamento de que bons artistas imitam, enquanto grandes artistas roubam. Não são os motivos que garantem a originalidade de uma obra sinfônica. Se o fossem, nada haveria de novo sob o sol, como muitos defendem. Mas sim a aplicação, o que é fruto de imenso estudo, análise e pesquisa.


Foto: Andrea Nestra

Tim Rescala com a Orquestra Sinfônica Brasileira na Sala Cecília Meireles
Tim Rescala com a Orquestra Sinfônica Brasileira na Sala Cecília Meireles

Mas aí está uma das tantas belezas da música. Apesar de exigir conhecimento e prática, a música tem como resultado tocar o subjetivo do ouvinte. Ela é, portanto, ciência em favor da emoção. Imenso desafio àqueles que se dedicam a ela, ao mesmo tempo em que confirma o valor da geração atual de compositores, vinda de valiosíssima tradição representada hoje não só por Tim Rescala, mas também por Livio Tragtenberg, Flo Menezes, Liduino Pitombeira e tantos outros.


Há o outro lado da moeda quando se refere ao rigor da música. É perceptível isso quando Tim Rescala dedicou sua “Prokofonia” ao professor e compositor teuto-brasileiro Hans-Joachim Koellreuter. Um ícone do meio musical. Koellreuter foi notável figura responsável pela difusão da música como ensino. Trouxe o conhecimento que permite ao estudante compreender a música sem depender do instrumento. Afinal, o som independe da mecânica.


Dedicar-lhe à composição revela alguns ideais que envolvem o mundo dos sons. Um deles consta logo da introdução de um de seus livros canônicos, e diz o seguinte:


Não haveria coisa mais condenável, sob o ponto de vista pedagógico e artístico, do que um método de ensino que, em vez de revelar ao aluno o objetivo das leis musicais, seu desenvolvimento e sua relatividade, apresentasse as mesmas como valores absolutos e incontestáveis.[1]


[1] Koellreuter, Hans-Joachim. Harmonia funcional. Introdução à teoria das funções harmônicas. 3ªed. São Paulo: Ed. Ricordi Brasileira S.A., 2008.



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